O desafio do isolamento social torna-se ainda maior para os dependentes de álcool e drogas e suas famílias. Além das incertezas atuais, que podem causar impactos emocionais e afetar a continuidade do tratamento, muitas dessas pessoas frequentavam reuniões de apoio para recuperar-se da dependência. Com a impossibilidade de manter reuniões presenciais, entidades de mútua ajuda encontraram alternativas para não deixar seus membros, novos e antigos, desamparados.
Desde o dia 23 de março, a Irmandade Alcoólicos Anônimos do Brasil (A.A.) abriu uma sala de reunião à distância com facilidade de acesso remoto, os encontros são diários às 20h. O acesso é feito pelo site de A.A. e as pessoas podem entrar pela internet ou discando um número do telefone, como uma ligação comum. “Nossa preocupação foi permitir a acessibilidade, principalmente para membros não familiarizados com a tecnologia, ou moradores em localidades onde ela é limitada”, explica Camila Ribeiro, presidente da Junta de Serviços de Alcoólicos Anônimos do Brasil (Junaab).
Além dessas reuniões diárias com abrangência nacional e internacional, a irmandade também estimula reuniões locais com pessoas que já eram membros do A.A. “Procuramos orientar para que as reuniões aconteçam da mesma maneira em qualquer plataforma, preservando o anonimato, orientando sobre o uso da câmera, sugerindo que não tirem fotos nem publiquem o que é falado na reunião”, diz Camila.
Um dado importante é o número de novos participantes nestas reuniões. Segundo Camila, há uma média de um a dois ingressantes por dia, somente na reunião nacional. “Estamos planejando uma reunião específica, apenas para novos participantes, para que conheçam e saibam como funcionam as atividades do A.A.”, afirma.
Outro indicativo notado foi o fato de que os pedidos de ajuda que chegam através do e-mail no site oficial praticamente triplicaram. Antes do isolamento, eram de 30 a 40 por semana, hoje estão entre 70 a 110 pedidos de ajuda semanais.
A quantidade de visitas ao site de A.A. também disparou: na última semana houve um aumento de 75%, atingindo 7 mil acessos, mil por dia.
No caso dos Narcóticos Anônimos (NA), reuniões online já aconteciam no sistema de recuperação à distância, mesmo antes da pandemia. Com as medidas de isolamento social, a instituição aumentou a disponibilidade desses encontros à distância, passando de 14 para 1600 reuniões semanais à distância. A orientação para acessar essas reuniões é feita através do site. Nas redes sociais, o grupo mantém uma página no Facebook. Além disso, também disponibiliza uma linha de ajuda (veja abaixo em Serviço).
A solução encontrada pela Associação Antialcoólica do Estado São Paulo (AAESP) foi através do WhatsApp. O grupo SOS Sobriedade foi criado no aplicativo e tem duas reuniões diárias, uma das 11h às 12h e outra das 20h às 22h. A instituição conta com a colaboração de dois psicólogos e um psicoterapeuta. O presidente da associação, Carlos Camargo, diz que também existem as lives, onde “as pessoas gravam áudio com seus testemunhos, mandam e a gente coloca na live”. A associação está tentando criar uma sala de reunião online, mas há resistência dos frequentadores, por terem dificuldades com a tecnologia. Carlos reconhece que o WhatsApp tem ajudado, mas que “o que funciona mesmo é a reunião presencial, o carinho e o contato com essas pessoas”.
Outro problema causado pelo isolamento social é que muitas pessoas têm que conviver 24h por dia, no mesmo espaço, com um familiar que tem problemas com álcool e drogas. Entidades que oferecem suporte a essas famílias também estão oferecendo alternativas aos encontros presenciais.
Na ONG Amor Exigente (AE), que oferece apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, cada grupo se organizou individualmente para fazer reuniões virtuais. Desde o fim de março, a Federação de Amor Exigente (FEAE) oferece três reuniões online por semana, abertas a todos, com os temas Família, Sobriedade e Cônjuges.
Segundo a entidade, estes grupos permanecerão ativos mesmo após a pandemia, para apoiar pessoas em cidades onde não há grupos do AE.
Além disso, a federação criou um podcast semanal e deu acesso gratuito às versões digitais das edições de março, abril e maio da RevistAE. Os líderes do Amor Exigente também participam frequentemente de lives nas redes sociais, organizadas por coordenadores regionais, grupos, especialistas na área da saúde e instituições parceiras.
Nilce Totino, secretária-geral dos Grupos Familiares Al-Anon do Brasil, que apoia familiares e amigos de alcoólicos, explica que as reuniões online começaram no final de março. “Os grupos são livres para escolher os dias e horários da reunião, tempo de duração e a plataforma à qual se adaptem melhor, tudo isso seguindo nossas orientações, garantindo a privacidade do familiar ou amigo de alcoólico”, afirma. Além disso, o Al-Anon também oferece ajuda nas redes sociais e troca de experiências através de e-mails.
Cabe destacar que pelo ineditismo que a humanidade está passando com a pandemia de COVID-19, e com a estratégia de isolamento social como método de conter a rápida proliferação do vírus, houve uma reorganização das relações e comportamentos sociais.
No caso da dependência química os fatores de riscos se agravaram ainda mais, principalmente na questão emocional da angústia, ansiedade, incertezas e o medo do contágio que o vírus traz ao nosso imaginário. O que podemos compreender pelo aumento da procura por apoio e suporte nos grupos de mútua ajuda.
O isolamento social promoveu um fenômeno nas residências nunca percebido de forma tão latente, que foi o aumento do consumo do álcool, estimulado por interações virtuais em lives recreativas, onde o consumo abusivo do álcool passa a ser exposto, estimulado e patrocinado pela indústria. Nota-se também, uma alteração do comportamento da relação familiar, a obrigatoriedade da intensa convivência, muitas vezes em residências de pouca privacidade, aflorou questões relacionadas ao consumo abusivo do álcool pouco perceptiva em outras situações, muitas vezes estas pessoas ficam em bares e botecos nas ruas e tinham pouca convivência domiciliar. E, é neste momento, que percebe-se o quanto está sendo necessário e salutar a nova proposta dos grupos de ajuda mútua. Percebemos que as questões de conflitos se tornam mais afloradas pelo isolamento social, o que requer uma rápida resposta comunitária. E, neste caso, a resposta está na alternativa encontrada por estes grupos em reuniões remotas e todo apoio oferecido.